Trechos do livro: O diário de Zlata, de Zlata Filipovic

Sábado, 23 de maio de 1992
Nunca mais falei de mim para você. Falo de guerra, de morte, de ferimentos, de granadas, de tristeza e de sofrimento. Quase todos meus amigos partiram. Mas mesmo que eles estivessem aqui, será que a gente ia conseguir se ver? O telefone não funciona, e não íamos poder nem conversar. Vanja e Andrej também foram embora; para Dubrovnik, para a casa de Srdjan. Lá a guerra acabou. Tanto melhor para eles. Essa guerra em  Dubrovnik me deixava tão infeliz. Nunca, nem em sonhos, eu teria imaginado que ela também chegaria até aqui, que se instalaria em Ssrajevo. Verica e Bojana também foram embora.
Passo o tempo todo com Bojana e Maja Bobar. Agora minhas melhores amigas são elas. Bojana é um ano e meio mais velha que eu, já acabou a sétima série e temos muitas coisas em comum. Maja está no último ano da escola. É bem mais velha que eu, mas fantástica. Ainda bem que tenho essas duas, senão ia ficar totalmente sozinha no meio dos grandes.
No noticiário anunciaram a morte de Silva Rizvanbegocic, uma médica do serviço de urgência que também era amiga da mamãe. Ela estava numa ambulância. Transportavam um ferido que precisava ser atendido. Um monte de gente que papai e mamãe conhecia morreu. Meu Deus, o que está acontecendo.
Zlata, que ama você.

Segunda-feira, 25 de maio de 1992
Dear Mimmy,
A Zetra queimou. A vila olímpica. O mundo inteiro conhecia essa maravilha e agora ela desaparaece no meio das chamaas. Os bombeiros tentaram salvá-la, nosso Zika deu uma mão aos bombeiros, mas não conseguiram. As forças da guerra ignoram o amor e a vontade de salvar as coisas. Elas destroem, incendeiam, suprimem. Elas quiseram que a Zetra deixasse de existir. Estou triste, Mimmy.
Tenho a impressão de que aqui não vai sobrar nada, nenhuma pessoa viva.
Sua Zlata

Terça-feira, 26 de maio de 1992
Dear Mimmy,
Penso sem parar em Mirna. No dia 13 de maio foi seu aniversário. Como eu teria gostado de ver Mirna outra vez! Sempre peço a papai e mamãe que me levem à casa dos avos dela onde está morando com o pai e a mãe. A casa deles de Mojmilo foi bombardeada e foi preciso demili-la.
Estes últimos dias não houve bombardeio, reina a calma. Pedi a papai para me levar à casa de Mirna, pois preparei um presentinho para ela. Estou muito ansiosa em voltar a vê-la. Sinto saudade dela.
Eu estava triste que ele resolveu me levar até lá. Fomos, mas a porta do edifício estava trancada. Não conseguimos que nos ouvissem e voltei para a casa decepcionada. O presente vai ter que esperar e eu também. Um dia a gente se encontra outra vez.
Zlata, que ama você.

Quarta-feira, 27 de maio de 1992
Dear Mimmy,
UMA CARNIFICICNA! UM MASSACRE! UM HORROR! UMA ABOMINAÇÃO! SANGUE! GRITOS! CHORO! DESESPERO!
Eis a rua Vaso Miskin hoje. Duas granadas caíram na rua Vaso Miskin, outra no mercado. Mamãe estava perto na hora. Ela foi correndo refugiar-se na casa de vovô e vovó. Papai e eu estávamos ficando quase4 loucos porque ela não voltava. Vi essas coisas pela televisão e não consigo acreditar que vi mesmo. É Inacreditável! Minha garganta estava apertada e o estômago doía. O PÂNICO. Estavam transportando os feridos para o hospital. Para um abrigo. Passávamos o tempo todo olhando pela janela na esperança de ver mamãe chegar e nada. Ela não voltava. Comunicaram a lista de vítimas e feridos. Nada sobre mamãe. Papai e eu desesperados. Será que mamãe estava viva? Às 16 horas papai resolveu ir procurar no hospital. Vestiu-se para sair e eu já estava indo para a casa dos Bobar para não ficar sozinha em casa. Olhei pela última vez pela janela e... VI MAMÃE ATRAVESSAR A PONTE CORRENDO! Depois que ela chegou ao apartamento, começou a tremer e caiu no choro. Atrás das lágrimas disse que tinha visto gente despedaçada. Aí todos os vizinhos chegaram, de tanto que haviam ficado preocupados com ela. Obrigada, meu Deus, mamãe já está conosco. Obrigada, meu Deus.
UM DIA PAVOROSO. IMPOSSÍVEL ESQUECER.
QUE HORROR! QUE HORROR!

Sua Zlata

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